As mesmas alterações de DNA que tornam uma pessoa propensa a desenvolver autismo –transtorno mental que afeta a sociabilidade e comunicabilidade– estão correlacionadas a uma maior inteligência, sugere um estudo.
Os dados saíram de três pesquisas de saúde pública, uma das quais acompanhou 9.863 pessoas na Escócia. Os dados indicaram que características genéticas de risco para o autismo são benéficas em um contexto mais geral.
Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress |
Entender como o autismo afeta a inteligência sempre foi difícil porque, apesar de 70% dos pacientes diagnosticados terem habilidades cognitivas deterioradas, um grupo pequeno apresenta inteligência até mesmo maior do que pessoas não autistas.
"Há estudos que mostram um excesso de indivíduos autistas com QI acima de 130 [nível bastante alto], mas a maioria da população autista não tem habilidades cognitivas maiores" explicou à Folha Toni Clarke, cientista da Universidade de Edimburgo que liderou o estudo.
Segundo a pesquisadora, a evolução humana favoreceu a disseminação de genes ligados à inteligência ao longo do tempo, e isso conferiu uma vantagem à média da população. O fato de alguns desses genes estarem ligados ao autismo e não serem eliminados pela evolução seria preço que pagamos como espécie para aumentarmos nossa capacidade cognitiva.
"Achamos que o fator crucial é se você contrai o transtorno ou não", afirma Clarke "Quando você não desenvolve o autismo, talvez essas variantes possam conferir uma pequena vantagem". O trabalho da pesquisadora e de seus colegas foi publicado na revista "Molecular Psychiatry".
VANTAGEM SUTIL
A vantagem cognitiva dos genes ligados ao autismo foi pequena, mas se manteve num limite no qual é difícil explicar que a correlação tenha sido uma coincidência.
Clarke e seus colegas testaram sua hipótese em outro levantamento de saúde pública na Escócia, com 1.522 indivíduos, e em um estudo que acompanha grupos de irmãos gêmeos na Austrália. A correlação se manteve em pé nessas outas populações.
"É uma diferença sutil, mas significativa", afirma o biólogo brasileiro Alysson Muotri, professor da Universidade da Califórnia em San Diego, especialista em biologia molecular do autismo. "Para mim, a correlação faz sentido, porque muitos dos genes relacionados ao autismo estão envolvidos com contatos sinápticos [conexões entre células cerebrais]."
Estudo com imagens de ressonância magnética detecta diferenças em cérebro autista.
As alterações genéticas analisadas no estudo de Clarke saíram do Consórcio de Genética Psiquiátrica, liderado pelos EUA. Os dados são derivados de relação estatística, já que o mecanismo de ação de praticamente todos os genes ainda é um mistério.
Cientistas notaram que as alterações ligadas ao autismo pareciam promover todos os tipos de inteligência. Isso não era esperado, pois muitos autistas com alta pontuação em testes visuais e não verbais não costumam se sair tão bem em testes verbais.
Os testes usados eram todos de raciocínio analítico. "Seria legal se testes mais abstratos fossem incluídos também", diz Muotri. "Medir inteligência é complicado."
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